Em um ano marcado pelas imensas dificuldades políticas que atrasaram a implantação de reformas estruturantes e importantes para o país, 2017, por outro lado, foi um ano que a economia começou a dar sinais de que estamos saindo do atraso resultante do desgoverno de períodos anteriores. O nível de confiança na recuperação do ambiente de negócios deu às empresas perspectivas de lucros e os investimentos começaram a voltar. A inflação e a taxa oficial de juros caíram a patamares não imagináveis até dois anos atrás.
No cenário jurídico, ganharam mais fôlego os métodos privados e adequados de solução de litígios e controvérsias fora do Judiciário – principalmente a mediação e a arbitragem – para acelerar o desfecho de conflitos que demorariam décadas para terminar. Apesar do contínuo esforço do Judiciário, o enorme congestionamento de milhões de processos continuou.
Atualmente, são mais de 100 milhões de processos parados nas estantes, mesas e gabinetes de juízes, desembargadores e ministros, de acordo com o relatório “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça. Não há condição física nem estrutura adequada do Judiciário para resolver esse desumano volume de trabalho. Eles envolvem embates entre pessoas, empresas, governos e toda a sociedade. Ficam, a maioria, sem solução definitiva em tempo razoável, diferentemente do que prescreve a Constituição Federal. A longa e quase sempre exasperante tramitação dos processos judiciais termina com uma decisão final excessivamente demorada e que, muitas vezes, não faz justiça aos envolvidos. A justiça tardia, já dizia Ruy Barbosa, é injustiça.
Nesse contexto, os instrumentos jurídicos de solução extrajudicial de demandas têm sido cada vez mais praticados nos grandes centros do país e começaram a ganhar oxigênio. Mas é preciso ressaltar que a arbitragem e a mediação privadas são institutos jurídicos de regulação legal recente, ainda pouco conhecidos em comarcas distantes dos grandes centros. Mesmo o Judiciário dando efetivo apoio jurisprudencial a essas novas ferramentas de solução de conflitos, o desconhecimento da arbitragem e da mediação pelo Brasil afora não tem levado à sua prática generalizada como já poderia estar ocorrendo. Ainda assim houve avanço desses institutos no ano passado.
Um grande avanço institucional para a ampliação do uso da arbitragem no Brasil aconteceu com a reforma trabalhista, que passou a vigorar em novembro de 2017. Houve a introdução da arbitragem trabalhista na reforma da CLT, após várias decisões do Tribunal Superior do Trabalho afastando a arbitragem dos dissídios individuais do trabalho. Agora, há lei em vigor permitindo o uso do instituto, ainda que limitadamente para litígios envolvendo empregados com nível salarial mais elevado.
Outra novidade do ano passado foi o avanço das discussões, no Brasil, sobre o uso da arbitragem em brigas tributárias entre fiscos e contribuintes, a partir da experiência positiva dessa prática em Portugal. Cresceu o interesse de arbitralistas, tributaristas, entidades empresariais e autoridades da administração pública pela adoção de legislação sobre o assunto no país.
Em abril de 2017, um encontro na Faculdade Nova de Direito em Lisboa reuniu um grupo fechado de representantes da administração tributária federal, advogados e entidades empresariais brasileiras. Houve um longo debate com professores, árbitros e gestores da câmara de arbitragem tributária de Portugal sobre o sucesso dessa inovação para conflitos em matéria tributária. Em setembro, a Escola de Direito em São Paulo da FGV, o Conima (Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem) e a OAB do Rio, com o apoio da Fiesp e da Câmara de Arbitragem e Mediação da CIESP, promoveram seminário de dois dias em São Paulo e no Rio de Janeiro sobre a arbitragem tributária em Portugal e as perspectivas para sua implantação no Brasil.
As discussões avançaram tanto que, em outubro, formou-se um grupo de especialistas brasileiros em Direito Tributário e em Arbitragem para elaboração de anteprojeto de lei para regular a implantação da arbitragem tributária no país. O objetivo do grupo é a inclusão dessa inovação nos projetos de reforma tributária a serem apresentados pelo governo federal ao parlamento brasileiro em 2018.
O ano passado também foi marcado pela criação de câmaras privadas de mediação – incentivadas pelas exigências do Código de Processo Civil de 2015. É preciso destacar o credenciamento de algumas destas câmaras no Judiciário para a atuação na mediação judicial. Por outro, um ponto negativo precisa ser registrado: a crescente criação de câmaras inidôneas e despreparadas que anunciam cursos de formação de árbitros e mediadores, dão diplomas, certificações e carteirinhas de habilitação com brasão da República. Ou seja, um verdadeiro estelionato em busca de pessoas desempregadas pela recessão econômica que enxergam nessas câmaras e cursos inidôneos a oportunidade de ganho financeiro. O uso obscuro da arbitragem e da mediação é crime e vem sendo denunciado pelo Conima ao CNJ, ao Ministério Público e às autoridades policiais.
O fortalecimento da arbitragem também foi observado na multiplicação dos moots, eventos dirigidos a estudantes de faculdades de Direito por todo o Brasil. São formadas equipes de alunos de graduação, monitoradas por professores e especialistas em Arbitragem. Todos estudam um caso hipotético apresentado. A cada competição, as melhores equipes são convidadas para moots regionais, nacionais, internacionais. O mais conhecido, pioneiro, é realizado todo ano em Viena. As equipes de jovens estudantes brasileiros têm brilhado em Viena competindo com equipes de faculdades do mundo todo. Tudo isso tem proporcionado que estudantes conheçam mais de perto a arbitragem. E, em 2017, também destacaram-se competições semelhantes tratando da mediação.
Instituições como o Conima, CBAr (Comitê Brasileiro de Arbitragem) e Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil Canadá, entre outras, têm trabalhado intensamente para divulgar as boas práticas da arbitragem e da mediação privada no país. Outro ponto que ganhou força foram os eventos para discussão da doutrina, da jurisprudência e da prática da arbitragem e da mediação. A expectativa para 2018, além do aprofundamento da discussão sobre a arbitragem tributária no país, é impulsionar ainda mais o uso da arbitragem e da mediação para quem busca solução adequada, segura e rápida para seus conflitos.
Por Roberto Pasqualin, advogado em São Paulo e atua como Árbitro e também como advogado de parte em arbitragem nas principais câmaras de arbitragem e mediação no Brasil. É presidente do CONIMA-Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem e integra o Conselho Consultivo e o Conselho Fiscal do CBAr-Comitê Brasileiro de Arbitragem
Fonte: Estadão – 06 Fevereiro 2018 | 16h43
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