Quando as pessoas (naturais ou jurídicas de direito público ou privado) contratam, assim o fazem em momento de absoluto consenso, harmonia e convergência de objetivos, com a esperança (algumas vezes vã) de que o parceiro haverá de bem e fielmente adimplir com as suas obrigações, sem perderem de vista a possibilidade de verificar-se no futuro a inadimplência.
A primeira providência a ser tomada por quem contrata é definir com clareza todos os termos da avença, quais sejam: sujeitos da relação, objeto, preço, prazo, local de cumprimento, cláusulas penais (multas), foro competente para o deslinde de eventual conflito decorrente de descumprimento e de que forma será dirimida a controvérsia, ou seja, através de jurisdição estatal (Poder Judiciário) ou jurisdição privada (arbitragem),[1] e, nesta última hipótese, se a cláusula compromissória[2] será cheia (definindo desde logo o árbitro, tribunal ou instituição arbitral) ou vazia (simplesmente indicando que a conflito será dirimido através de arbitragem).[3]
Contudo, antes de buscar a jurisdição (pública ou privada) para a resolução da controvérsia instaurada, é de bom alvitre que as partes conflitantes, tentem a autocomposição fazendo uso da mediação.[4] Explica-se: a mediação é técnica não adversarial de resolução de conflitos, em que o mediador nada decide, nada julga, nada impõe, não condena ou ordena, pois a ele compete conduzir as partes a encontrar, por si mesmas, a via de meio que melhor atenda aos seus interesses – resolução consensual da controvérsia (ganha/ganha); diferentemente, a arbitragem é meio adversarial de resolução de conflitos, valendo lembrar que segundo os próprios termos da Lei 9.307/96, “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário” (art. 18) e, por conseguinte, a decisão importará sempre na definição da parte vencedora e vencida (ganha/perde).
Os conflitos de natureza patrimonial encontram permissivo legal para serem dirimidos em juízo arbitral[5], assim como podem ser solucionados perante o Estado-juiz, sendo que essa definição respeita tão-somente as partes envolvidas. Nesses casos, há de se perquirir quais são as possíveis “vantagens” e “desvantagens” dessa escolha. De início, assinala-se que não há a melhor ou pior forma de prestação de tutela jurisdicional, isto é, pública ou privada, sendo que tudo dependerá da natureza do conflito apresentado no caso concreto, da complexidade da matéria objeto da lide, de seu conteúdo patrimonial, o decurso de tempo desejado para a solução da controvérsia etc. Em outros termos, será a escolha (adequada ou inadequada) que norteará os resultados mais ou menos vantajosos decorrentes da opção por determinado tipo de jurisdição (pública ou privada).
Primeiramente, a arbitragem é mais simples e objetiva, e os julgadores, além de imparciais, são técnicos especializados na área sobre a qual recai o objeto litigioso e, via de regra, do mais alto quilate científico e respeitabilidade. Esses atributos conferem às partes um julgamento seguro e rápido, sobretudo se confrontado com os atropelos verificados na jurisdição pública.
Em segundo lugar, a rapidez na prestação da tutela jurisdicional privada perseguida decorre de dois outros fatores, quais sejam, a irrecorribilidade das decisões arbitrais (interlocutórias ou sentença arbitral) e inexistência de homologação da sentença pelo Poder Judiciário.
Em terceiro lugar, não se deve perder de vista que a arbitragem é via de regra uma jurisdição de custos elevados, na exata medida em que os árbitros (profissionais de renome em suas respectivas áreas de atuação profissional) são pagos pelos próprios litigantes, assim como todas as despesas atinentes ao procedimento arbitral e, ao final, pelo vencido. Portanto, a jurisdição privada não é o foro adequado para demandas patrimoniais de pequeno[6] ou médio porte.
Em quarto lugar, como as partes ou os árbitros podem definir o procedimento que será imprimido ao processo respectivo (dependerá apenas da convenção arbitral), haverá sempre uma perfeita sintonia entre a tutela pretendida e o instrumento oferecido, o qual, via de regra, prima pelo princípio da oralidade e, por conseguinte, atende aos seus outros subprincípios, tais como a imediatidade, concentração, simplicidade, informalidade, economia e celeridade.
Em quinto, ficam as partes absolutamente livres para definir se a decisão arbitral será fundada em eqüidade ou em direito e, neste último caso, quais as regras (nacional ou estrangeiras) que irão nortear o julgamento dos árbitros.
Em sexto lugar, é muito vantajosa a possibilidade conferida de escolha dos árbitros, o que se faz em comum acordo pelas próprias partes, de maneira que a indicação recaia sobre pessoas previamente definidas e detentoras de profundo conhecimento da matéria litigiosa ou, ainda, permite que se faça referência à instituição arbitral especializada que, por sua vez, dispõe de um quadro bem formado de árbitros.
Em sétimo lugar, a sentença arbitral é proferida sempre em prazo definido previamente pelas partes e, nada sendo convencionado, em até seis meses a contar da data da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro.[7]
Por último, a discrição e o sigilo dos atos processuais e do julgamento propriamente dito importam em outra vantagem, à medida que as partes permanecem comodamente durante todo o processo e, em especial, para a produção de provas, o que não raras vezes viabiliza a consecução de um acordo. Aliás, a jurisdição arbitral é foro também adequado à composição amigável[8] ou para a convergência dos esforços dos litigantes no sentido de alcançarem rapidamente – sem descurar dos valores maiores que são a segurança e a justiça da decisão – à resolução final da lide, tendo em vista que, na maioria das vezes, ambos têm interesse na solução do conflito que, comumente, envolve quantias vultosas de dinheiro, com inúmeros efeitos diretos e reflexos.
Em síntese, desde que se faça a opção adequada pela jurisdição privada, notadamente no que concerne a escolha acertada de árbitros ou de entidades arbitrais que gozem de elevado conceito ético e técnico, não se vislumbra propriamente desvantagens na arbitragem, sobretudo quando cotejada com a morosa tutela jurisdicional prestada pelo Estado-juiz em face dos mais de cem milhões de processos que assoberbam o Poder Judiciário e assombram os cidadãos.[9]
[1] Para aprofundamento acerca do tema, v. Joel Dias Figueira Jr. Arbitragem, jurisdição e execução. São Paulo: Editora Saraiva, 3ª ed., no prelo, 2019.
[2] Art. 4º. Lei 9307/1996 (Lei da Arbitragem)
[3] Neste caso, as partes firmarão em tempo e modo oportunos termo de compromisso arbitral (art. 9º c/c art. 10 da LA).
[4] A mediação no Brasil encontra sua norma de regência na Lei 13.140, de 26/6/2015.
[5] LA. “Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. § 1o A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. (Incluído pela Lei nº 13.129, de 2015); § 2o A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações. (Incluído pela Lei nº 13.129, de 2015).”
[6] . Vale lembrar que o Estado oferece aos jurisdicionados para a resolução de demandas de pequeno valor (assim consideradas de até quarenta ou sessenta salários mínimos), gratuitamente, os Juizados Especiais na esfera civil, fazendária e federal. Para aprofundamento sobre esse tema v. Joel Dias Figueira Jr. e Tourinho Neto (Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais. São Paulo: Saraiva, ed. 8ª, 2017 e Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais. São Paulo: Saraiva, ed. 4ª, no prelo; Joel Dias Figueira Júnior, Juizados Especiais da Fazenda Pública. São Paulo: Saraiva, ed. 3ª, 2017).
[7] Cf. art. 23, caput, da LA.
[8]. “Art. 21(…) § 4º Competirá ao árbitro ou ao tribunal arbitral, no início do procedimento, tentar a conciliação das partes, aplicando-se, no que couber, o art. 28 desta Lei” (LA).
[9] . Sobre os dados estatísticos atinentes ao Poder Judiciário, v. site do Conselho Nacional de Justiça, “justiça em números”.
Por Joel Dias Figueira Júnior, Pós-Doutor em Direito Processual Civil pela Università Degli Studi di Firenze – Itália. Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Università Degli Studi di Milano – Itália. Desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Foi Assessor da Relatoria-Geral da Comissão Especial do Novo Código Civil da Câmara dos Deputados. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil. Membro do Instituto Ibero-americano de Direito Processual e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e do Conselho Editorial da Revista Bonijus e da Revista Direito & Medicina da Editora RT; Diretor Estadual da Associação de Direito de Família e das Sucessões-ADFAS.
Fonte: Gen Jurídico – 11.ago.2020
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