Direito Fraterno e sua aplicação no Cenário Jurídico Brasileiro: a Cultura do Empoderamento e da Solidariedade versus Sistema Adversarial

A cultura adversarial aliada à morosidade processual permite desgastes iníquos no que concerne ao modo de conduzir a lide.  Vale suscitar que os mecanismos processuais, por vezes, aguçam ainda mais a beligerância entre os envolvidos. Neste sentido, a prestação jurisdicional não pode se limitar a sequência lógica de peças e ritos a serem observados, ao reverso, tem que por em xeque os anseios pleiteados pelos envolvidos de cada caso concreto. Logo, o pronunciamento do Estado-juiz deve buscar o tratamento do conflito, desde sua gênese, bem como os desdobramentos do dissenso. Destarte, surge para o Direito desafios a serem transpostos frente as novas perspectivas advindas do pensamento contemporâneo. Partindo desse pressuposto, far-se-á uma análise do Direito Fraternal, na busca de demonstrar, sem exaurimento do assunto, novos horizontes capazes de desconstituir alguns conceitos caducos e ultrapassados da ciência jurídica.
“A exigência mais sentida no mundo de hoje é a reconstituição dos relacionamentos humanos em todos os âmbitos da vida social: desde aquele familiar até o relacionamento entre as Nações e os Povos. Redescobrir e atuar novas formas de relação, que correspondem às novas formas éticas e jurídicas que garantem a justiça em todos os relacionamentos, para o bem de cada indivíduo e da sociedade; é o objetivo perseguido por juristas, advogados, professores e estudantes empenhados no mundo do Direito e da Justiça, nos quais vivenciam a Fraternidade”. Lubich
COMENTÁRIOS INAUGURAIS
Ab initio, quadra evidenciar que o corolário preconizado nesse artigo atine para a aplicabilidade da metateoria do Direito Fraterno, a fim de corroborar com a vagueza principiológica solidária-fraternal no campo da ciência do Direito Brasileiro. Dando, por esse ângulo, enfoque nas possibilidades de um direito universal, não-violento e, sobretudo, humanista. Com espeque em tais premissas, cuida assinalar, com bastante pertinência, que a dogmática jurídica tradicional, ou melhor, a falaciosa cultura adversarial, reduz os acessos e minimiza a verdadeira compreensão da gênese das situações litigiosas que são dirimidas pelo Poder Judiciário. Tendo em vista o cenário alarmante que invoca por mudanças, a mediação vem como meio alternativo de resolução dos conflitos, objetivando reestabelecer a comunicação, para que os indivíduos sejam capazes de elaborar acordos duráveis.
Pretende, desta maneira, colaborar com as discussões acadêmicas sobre o tema, tendo como ponto certeiro os fatores da sociedade contemporânea que clamam por um horizonte mais fraterno e solidário, para que, assim, seja percebido o cumprimento dos direitos fundamentais entabulados na Constituição Cidadã de 1988. Bem como, garantindo ao cidadão uma vida digna. Volvendo tal olhar para a temática, estabelecida convém trazer a comento algumas ponderações acerca do contexto e dos motivos pelos quais a mediação passou a gozar suntuosa importância no âmbito jurídico pátrio como via promotora do fidedigno acesso à justiça.
Para subvencionar este estudo, a metodologia empregada foi a hermenêutica por intermédio da coleta de informações pautadas nos ensinamentos doutrinários e de aplicadores do Direito nacional. Neste talvegue, em alinho ao acimado, é importante evidenciar que os assuntos levantados são ensejadores de incessantes narrativas e, por isso, não se pretende esgotá-los, mas tem o intento precípuo de convocar os nobres leitores do terceiro milênio a discutirem as novas propostas que se descortinam.
1 A CULTURA ADVERSARIAL EM PAUTA
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que o sistema jurídico brasileiro, em vigor, fomenta o enfrentamento das partes em litígio, enaltecendo o dualismo ganhador-perdedor. Cuida hastear, com bastante pertinência, que a cultura adversarial aliada à morosidade processual permite desgastes iníquos no que concerne ao modo de conduzir a lide. Vale suscitar que os mecanismos processuais, por vezes, aguçam ainda mais a beligerância entre os envolvidos. Neste certame, cumpre mencionar que “a ciência processual não é uma estrutura estérea, destituída de qualquer utilidade prática. Deve ter como finalidade a valorização do homem, em seus mais diversos segmentos e origens e deve colocar a técnica em prol da preservação da dignidade humana” (RAMOS; MILHOMEM, 2015, p.199).
Ao se debruçar sobre a temática, urge citar o ensinamento trazido por Marina Pereira Manoel Gomes em seu artigo acerca da mediação comunitária e o princípio da solidariedade como formas de disseminação da cultura de paz nas comunidades:
É cediço que o mecanismo de maior utilização pela sociedade brasileira para a resolução de seus conflitos é o da “solução adjudicada de conflitos”, o que ocorre por meio de decisão judicial, pelo que se tem afirmado que tal predominância culminou na “cultura de sentenças” que hoje se visualiza no país, razão por que se passou a discutir acerca da necessária mudança de mentalidade para uma solução mais adequada aos conflitos, a qual realmente atingisse o ponto culminante, a razão de ser da justiça, que é a pacificação (GOMES, s.d, s.p).
Quadra anotar que a tônica processual tem se mostrado, portanto, engessada, voltada a colocar fim aos processos, tendo como base decisões meramente tecnicistas. Neste sentido, a prestação jurisdicional não pode se limitar a sequência lógica de peças e ritos a serem observados, ao reverso, tem que por em xeque os anseios pleiteados pelos envolvidos de cada caso concreto. Logo, o pronunciamento do Estado-juiz deve buscar o tratamento do conflito, desde sua gênese, bem como os desdobramentos do dissenso. Ademais, a variedade de conflitos de configurações diversas, produto de um mundo globalizado e multicultural, parece requerer uma reestruturação do Poder Judiciário, para que possa atender, de forma satisfatória, as exigências dos conflitos, cada vez mais complexos e embaraçosos (SILVA, 2016, p.1344).
No jogo processual tradicional sempre há vencedores e perdedores; há decisão; há intervenção quase sempre arbitrária. Justamente por desconsiderar a historicidade dos atores em conflito o processo desumaniza e não se apropria das sutilezas e das complexidades que os sujeitos querem ver reconhecidas e protegidas pelo direito. A distribuição de direitos e garantias é sem dúvida uma conquista; precisamos substancializar este avanço com o incremento de um modelo processual que reconheça o complexo debate entre igualdades e diferenças que constituem qualquer tipo de conflito (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p. 7).
Diante de uma sociedade que tem demonstrando fortes características do individualismo humano, em seus mais diversos aspectos, urge trazer à baila que “o Direito se torna cada vez mais o direito do indivíduo separado e isolado, incapacitado de conciliar os valores da Revolução Francesa” (HORITA,2015, p.357). Seguindo esse pressuposto, urge ressaltar que “o caminho traçado pelo Direito Fraterno, provavelmente, impulsionará à eficácia do Direito, estando em perfeito acordo com o estipulado pelo constitucionalismo pós-moderno, acarretando, consequentemente, maior efetividade das normas constitucionais” (MAIA, s.d, s.p). Faz-se necessário ponderar que:
Desde a década de 70, a crise que aflige a jurisdição têm conduzido os países a permanentes reflexões sobre mecanismos de solução de controvérsias, como alternativa aos modelos tradicionais de prestação jurisdicional, incapazes de assegurar, em sua plenitude, o acesso à justiça. Esses movimentos identificaram a existência de diversos obstáculos ao exercício deste direito fundamental e produziram grandes reformulações no processo civil, em busca da ampliação do acesso e com vistas à correção de aspectos cruciais à efetividade da Justiça, como a morosidade na solução dos conflitos que desaguam no Judiciário, dentre outros (BUSTAMANTE, 2013, p.108).
Neste contexto surge para o Direito desafios a serem transpostos frente as novas perspectivas advindas do pensamento contemporâneo. Partindo desse pressuposto, far-se-á uma análise do Direito Fraternal, na busca de demonstrar, sem exaurimento do assunto, novos horizontes capazes de desconstituir alguns conceitos caducos e ultrapassados da ciência jurídica. Calha salientar que o direito fraterno é analisado sob a óptica da lei da amizade, “descortinando o jogo político amigo/inimigo, integrando povos e nações de forma a contribuir pelo pacto entre iguais” (BUSTAMANTE, 2013, p.109).
Nesta toada, “de fato, a amizade tem um efeito revolucionário; é capaz de aproximar sem cobranças, de unir diferenças, de promover encontros e gerar compromissos silenciosos construídos pela escuta mútua” (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p.7). Mais do que isso, é importante transpor para o direito essa força transformadora que a amizade e a fraternidade desempenham no cotidiano do homem comum (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p.7).
2 O RECONHECIMENTO DA SOLIDARIEDADE E FRATERNIDADE COMO PARADIGMAS CONSTITUCIONAIS
À luz do cenário pintado, faz-se necessário explanar acerca do Princípio da Solidariedade, preconizado pela Carta Cidadã de 1988. Este possui extrema relevância para a matização da imagem do Estado Democrático de Direito, sendo, destarte, elencado dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária” (CF, 1988, art. 3º). Neste diapasão, “verificou-se que a ‘Lex Major’ solidificou a solidariedade como princípio o qual transmite à sociedade brasileira (desde o Estado até o cidadão) a responsabilidade pela efetivação desses direitos fundamentais nela previsto” (GOMES, s.d,s.p).
Insta apregoar que “o princípio da solidariedade renasce como Fênix das cinzas jurídicas da Revolução Francesa para transformar-se no novo marco jurídico-constitucional” (FENSTERSEIFER, 2008, s.p). Calha realçar, com cores quentes, que a solidariedade, ora evidenciada, está atrelada ao humanismo. Com efeito, “para o Constitucionalismo Contemporâneo, se perceber como parte de um todo, possibilita a constatação de contribuir de um amanhã melhor, a partir da vivência da solidariedade quando da jurisdição constitucional, trazendo valores e moralidade, em prol da concretização da dignidade humana” (BRANDT, 2016, s.p). Nessa esteira, vale suscitar que “sua grande virtude é harmonizar-se com as diversas correntes ideológicas: não prescinde da liberdade, tem íntima ligação com a noção de cidadania, almeja a diminuição das desigualdades e baseia-se na ideia de cooperação” (ROSSO, 2007, p.219).
A solidariedade, observada no plano horizontal, ou seja, no vínculo entre seres humanos, não se trata apenas de fraternidade ou de um sentimento de preocupação com o próximo, como também um agir no sentido de propiciar um bem-estar revertido em prol da coletividade, sendo esta relação, portanto, imprescindível para o próprio convívio em sociedade. O desenvolvimento de uma comunidade está diretamente ligado a visão coletiva, ou seja, não há espaço para as pessoas que são individualistas pelo simples fato de que se não observado o bem estar do grupo social, as pessoas correm o risco de tornar a vida em sociedade insuportável (KUNDE; PEDROSO; SWAROWSKI, 2014, s.p).
Segundo Paulo Sergio Rosso (2007, p. 203), “o termo solidariedade tem sua origem associada ao étimo latino solidarium, que vem de solidum, soldum (inteiro, compacto)”. Em consonância com as palavras de Marieta Izabel Martins Maia (2010, p.14), o vocábulo “solidariedade” está intrinsicamente ligado a uma relação de reciprocidade, de mútua ajuda, e, mais do que isso, possui uma interação pragmática com a fraternidade, haja vista que “na medida em que, o pragmatismo da fraternidade, em estudo, refere-se ao discurso jurídico fraterno em ação no contexto social, ou seja, o sócio direito, o direito em ação”.
Com espeque em tais premissas, cabe assinalar que a etimologia do termo fraternidade vem do latim fraternité, que confere a ideia de irmandade, harmonia e de paz (NICKNICH, 2012, p.172-173). Noutro turno, “a fraternidade, ao longo do tempo, vem sendo reconhecida como um ideal de filosofia política ou social, mas nunca jurídico, portanto, o tema é inovador no ordenamento jurídico contemporâneo e tem suscitado grande interesse dos operadores do Direito” (TAVARES, 2008, p.7). Desta feita, “é aceitável que a fraternidade possa pautar e orientar decisões jurídicas e comportamentos num vínculo de reciprocidade contínua e alteridade” (NICKNICH, 2012, p.174). Ao lado do esposado, tem-se que a vinculação entre a fraternidade e o Direito recoloca um novel modelo ao cenário político-jurídico: não vencedor, como outrora aludido, mas sim possível.
O princípio da solidariedade “explica” a existência de diversos direitos fundamentais abrangidos pela Constituição. Pode ser encarado como a contraprestação devida pela existência dos direitos fundamentais: se tenho direitos, tenho, em contrapartida, o dever de prestar solidariedade àqueles que se encontram em posição mais frágil que a minha (ROSSO, 2007, p.214).
Salta aos olhos que solidariedade e fraternidade constituem o rol de direitos fundamentais, mais do que isso, integram “um sentimento fundador de todo o arcabouço legal” (ROSSO, 2007, p.218). Neste alamiré, “os direitos fundamentais têm sido considerados produto da História” (FACHIN, 2001, p.1). Essa peculiaridade é diagnosticada a partir do estudo acerca das lutas por condições dignas de vida, que buscavam suprir as carências humanas que iam surgindo em meio às sociedades. Isso assente que esses direitos se ramifiquem em várias dimensões.
Seguindo essa perspectiva, os direitos supramencionados estão inseridos na terceira dimensão de direitos fundamentais, também conhecidos como metaindividuais. Recebem tais títulos, pois, de acordo com Cunha Júnior (2013, p.599), “caracterizam-se por destinarem-se à proteção, não do homem em sua individualidade, mas do homem em coletividade social, sendo, portanto, de titularidade coletiva ou difusa”. Por conseguinte, detém de maior amplitude, por serem direitos que se estendem a todos e não somente uma pessoa de forma individualizada.
Eclodiram em pleno século XX, logo após a Segunda Guerra Mundial (FACHIN; SILVA, 2012, p.69). O cenário foi propício para os novos direitos alcançados: direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao reconhecimento recíproco de direitos entre vários países, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao patrimônio comum da humanidade, ao desenvolvimento e à comunicação, e outros direitos difusos que pertencem às denominadas futuras gerações. Com base na ilustre concepção de Cunha Júnior (2013, p.599), esses direitos “não têm por fim a liberdade ou a igualdade, e sim preservar a própria existência do grupo”.
A solidariedade expressa a necessidade fundamental de coexistência do ser humano em um corpo social, formatando a teia de relações intersubjetivas e sociais que se traçam no espaço da comunidade estatal. Só que aqui, para além de uma obrigação ou dever unicamente moral de solidariedade, há que se transpor para o plano jurídico-normativo tal compreensão, como pilar fundamental à construção de uma sociedade e de um Estado de Direito guardiões dos direitos fundamentais de todos os seus integrantes, sem exclusões (FENSTERSEIFER, 2008, s.p).
Também é magnífica a ponderação feita por Fachin e Silva (2012, p.63), “à medida que esses direitos são reconhecidos passam a fazer parte do acervo de conquistas humanas”. Ou seja, “os direitos de fraternidade não surgiram para anular os outros direitos fundamentais conquistados ao longo da história, mas pelo contrário, vieram fortalecê-los e potencializá-los dotando-os de nova hermenêutica conducente à fraternidade universal” (ANDRADE, 2011, p.7).
3 O DIREITO FRATERNO COMO DESDOBRAMENTO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Em uma primeira plana, vale expor que a sociedade hodierna, com seus mais variados problemas de cunho econômico, cultural, social, político e jurídico, exige uma nova análise das ciências sociais. Nesses meandros, o jurista italiano Eligio Resta propôs um estudo transdisciplinar de todo o arcabouço ilustrado, através do texto básico “Il Diritto Fraterno”, com fulcro nas matrizes teóricas do Direito Fraterno, indicando, portanto, uma renovação da Justiça (STURZA; ROCHA, s.d, s.p). Inclusive, “ele retoma a ideia de fraternidade anunciada na Declaração Universal dos Direitos do Homem, evidenciando as várias facetas modernas que escondem o verdadeiro sentido da fraternidade” (VIAL, 2006, p.121).
Cuida hastear que o Direito Fraterno encontra-se no âmbito dos temas referentes aos direitos humanos, pautados nas “diferenças compartilhadas e de uma comunhão de juramentos, de comprometimentos, de responsabilidades” (STURZA; ROCHA, s.d, s.p). Sendo assim, “a proposta fraterna é o embasamento teórico da mediação e das demais formas alternativas de resolução de conflitos sociais, pois insere uma cota de complexidade no primado do justo sobre o bom” (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p.24). Nesta linha, ainda, de dicção, impende destacar:
Interessante o vínculo da superação dos confins com as observações que faz Resta sobre a amizade e assevera que no mundo moderno nada mais se faz do que acelerar o processo ambivalente da amizade. Esta ambivalência está representada pelo paradoxo da inclusão/exclusão. Nunca, em uma sociedade como a hodierna, houve tantas possibilidades de inclusão; nunca, como hoje, houve tanto “direito a ter direitos”. Porém, o acesso efetivo a estes mecanismos inclusivos, muitas vezes, se dá pela exclusão e/ou pelo não-acesso (STURZA; ROCHA, s.d, s.p).
É denotável, desta sorte, que o Direito Fraterno é um meio auspicioso para reverter a cultura adversarial outrora pontuada. A percepção fraternal, por conseguinte, vislumbra o diálogo para atenuar a rivalidade nos ambientes forenses e intenta que as partes se vejam como iguais, por fim, que haja a impulsão de uma justiça harmônica. Com isso, o diálogo instaurado inter partes leva à prática de atos solidários. Assentado em tais ideários, é possível salientar que o posicionamento fraterno busca a contemplação dos direitos fundamentais, objetivando o real cumprimento e promoção do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Ademais, “propõe mediação e pactuação constantes” (VIAL, 2006, p. 132).
Subentende-se que dignidade da pessoa humana cumpre o desígnio de guia da ordem constitucional, além de operar como valor unificador dos direitos fundamentais. Em assim sendo é necessário acentuar o que venha ser viver com dignidade, considerando sempre a conjuntura social iminente. Isto é, a definição consiste em um mínimo existencial que atenda as demandas dos cidadãos, tendo em vista a constante mutação que o corpo social sofre devido a inúmeras variáveis, como evolução tecnológica, mudança de comportamento, introdução de novas culturas, dentre outras. Vale relembrar “que o homem é anterior ao Direito e ao Estado. Logo, acima de qualquer circunstância, tem o homem o direito não só de ser reconhecido como ser humano, como também de ter a sua dignidade protegida constitucionalmente” (TAVARES, 2008, p.22).
Neste diapasão, Cretella Júnior (2001, p. 53-54) esclarece que “o vocábulo persona deriva do etrusco phersu e significava o homem capaz de direitos e obrigações”. Esse princípio é declarado como norma das normas dos direitos fundamentais, tendo uma alta posição na hierarquia jurídica. Nesta senda, os sistemas jurídicos contemporâneos avançaram na proteção do ser humano, contudo é indispensável garantir a fraternidade. Cabe, portanto, enfatizar que o princípio em tela torna-se condição de efetivação da liberdade e igualdade, na medida em que consiste um elo humanizador (TAVARES, 2008, p.23).
Evidencie-se que “viver com dignidade” implica não somente na concessão de direitos, mas na concretização da autodeterminação e no estabelecimento de condições de efetivação dos direitos humanos; fazendo-se, primordial o desenvolvimento da ideia de pacificação, que pode ser alcançada pela mediação (RUIZ; BEDÊ, 2009, p.9068).
Da mesma forma, não se pode olvidar que “o Direito e a humanidade necessitam do objetivo da fraternidade, ocasionando uma nova filosofia de vida, que agirá com consciência e responsabilidade. Devendo assim, ser deixada de lado a visão individualista da modernidade líquida” (HORITA, 2015, p.359-360). Nesse viés “indaga-se uma necessidade de repensar conceitos tradicionais, pois o direito, por lógico, não tem dado respaldo para algumas demandas” (HORITA, 2015, p.352). Partindo desse pressuposto, faz-se latente elucubrar a fraternidade como fundamento “transcendente para uma concreta reformulação política e jurídica adequada à modernidade fluida” (HORITA, 2015, p.352).
O axioma a ser esmiuçado diz respeito a mediação, método autocompositivo e alternativo de resolução de conflitos, marcada pela singeleza e pelo diálogo, é “considerada um salto qualitativo para superar a condição jurídica da modernidade, baseada no litígio e apoiada em um objetivo idealizado e fictício como é o de descobrir a verdade, que não é outra coisa que a implementação da cientificidade como argumento persuasivo” (SPENGLER, 2006, p.53). Aliás, calha trazer a lume que a “mediação, da forma como tem sido implementada na sociedade brasileira em suas primeiras versões, é fruto da solidariedade, tanto se esta for apreciada sob o prisma da empatia (ínsita no espírito humano), quanto da própria exegese da Constituição da República Federativa Brasileira” (GOMES, s.d, s.p).
A assunção, por parte do Poder Judiciário, dos meios acadêmicos e da doutrina acerca da necessidade de atender de forma mais humanizada aos anseios daquele que se vê lesado em seu direito (ou expectativa/ pretensão) faz com que a coletividade seja repensada, redimensionada e valorizada como espaço de atuação da pessoa que pensa e convive. A utilização dos meios alternativos de solução de conflitos, sobretudo da Mediação, faz crer que a pessoa do século XXI ainda tem opção, pois não se fechou de todo nas amarras da letra fria da lei mas, ao contrário, tem procurado solucionar suas pendências usando os binômios razão e emoção; direito e dever; percepções de justo e injusto, na busca da harmonia pessoal e social (RUIZ; BEDÊ, 2009, p.9068) (grifo nosso).
É imprescindível ponderar que “ao passo em que se admite a mediação como mecanismo facilitador da cooperação entre as partes, bem como do ‘empoderamento’ dos grupos de pessoas menos abastadas, nota-se que ela também atua como fomentadora do ciclo da solidariedade” (GOMES, s.d, s.p). Como flâmula de interpretação, é salutar frisar que essa possui técnicas que emancipam as partes e as fazem refletir sobre os reais motivos que ensejaram a lide, assim como “revela-se ainda mais profusa quando exercida sobre o esteio comunitário, a partir de pequenos grupos de pessoas comprometidas com o bem comum e a paz social” (GOMES, s.d, s.p).
Em suma, a solidariedade – já abordada e contextualizada – vivifica a Justiça, sendo a mediação sua feição mais humanizada. Cabe pontuar que o rumo à implantação de outro paradigma amplia os espaços sócio- jurídicos de participação democrática, fazendo com que haja um padrão mais pacificador, em detrimento do contencioso. A institucionalização da mediação dar-se-á tanto antes do processo judicial, quanto incidentalmente a ele. Urge salientar que esta técnica alternativa incide em situações atinentes a Família, Sucessões, Partilha de bens, conflito de vizinhos, ou seja, assuntos mais sensíveis, no que tange o modo de enfrentá-los. Ao lado do esposado, tem-se as seguintes concepções:
As formas alternativas de resolução de conflitos não são renúncias ao sistema judiciário, mas sim uma redefinição de seus confins. Porém, é desviante pensar que tais mecanismos são remédios exclusivos à crise quantitativa da justiça, o que equivale a dizer que as disputas alternativas poderiam ser vistas de forma subalterna em relação aos mecanismos judiciários. A opção pela resolução extrajudicial não exclui a possibilidade da via jurisdicional, pois as partes podem recorrer ao Estado se não houver acordo ou se este for descumprido. A partir dessas considerações, o Direito Fraterno não deve ser visto como uma utopia, mas sim, como uma real possibilidade de mudança na resolução de conflitos frente à ineficiência do Poder Judiciário (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p.39) (grifo nosso).
Nessa celeuma, o processualista Mauro Cappelletti, ao dissertar sobre os meios alternativos de solução das querelas jurídicas, traz que as sociedades modernas descobriram novas razões para preferir tais alternativas, e uma delas pauta-se no fato de que o processo judicial deve ser acessível a toda população (GABBAY, 2011, p.65). A despeito disso, “esse é o preço do acesso à justiça, o preço da própria democracia e que as sociedades modernas deveriam sentir-se dispostas a (e felizes) pagar” (GABBAY, 2011, p.65).
Logo, tal instituto apresenta-se como algo que vai além de um mero método de resolução de disputas, lastreado pela consensualidade, mas também como um processo onde há uma efetiva participação das partes. Dá-se início, portanto, a um processo de amadurecimento e preparo, tendo como base o bom senso, a negociação, a valoração da equidade, chegando ao tratamento dos conflitos, ou seja, a essência do mecanismo em questão. Cuida destacar que “fazendo um paralelo entre a fraternidade e a mediação, percebeu-se que a retórica dialógica da mediação propicia a emancipação dos indivíduos com o diálogo transformador” (BUSTAMANTE, 2013, p.109).
Neste diapasão, importa suscitar que “a reciprocidade propiciada pela fraternidade colabora para que cada indivíduo se preocupe com o próximo, resgatando assim o reconhecimento do outro e de sua alteridade. Com isso, verificou-se a necessidade de superar a lógica identitária, a lógica do interesse pessoal, propiciando este estar com o outro e não contra o outro” (BUSTAMANTE, 2013, p.109).
PONDERAÇÕES FINAIS
Com o escopo de traçar uma reflexão construtiva sobre a necessidade da fraternidade, preocupando-se, deste modo, com a formação de uma sociedade mais humana, há de se falar que o presente teve a cautela de demonstrar a importância de um Direito voltado a atender os reais reclamos do seio social moderno.  Tudo isso mostra-se relevante para que a atuação do sistema jurídico evite a face do individualismo e do descrédito dos cidadãos frente ao Judiciário. Salta aos olhos a imprescindibilidade de aludir que o progresso da sociedade caminha conjuntamente com o acesso à justiça.
Para tanto, por vezes, é preciso lançar mão de ferramentas diferenciadas das costumeiras, como a título exemplificativo, foi citado o instituto da Mediação, como via propulsora da resolução de controvérsias judiciais, consubstanciando o empoderamento das partes em litígio e tendo por consequência o afastamento do ambiente de beligerância. Destarte, há um anseio ainda maior pela paz social tão solicitada desde os primórdios, fato este que levou as primeiras civilizações a estabelecerem o Pacto Social.
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Por Gabriela Angelo Neves é Discente do Quinto Período do Curso de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo (IESES) – Unidade Cachoeiro de Itapemirim. E-mail: gabiangelo1@hotmail.com e Tauã Lima Verdan Rangel é Professor Orientador. Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (2013-2015). Especialista em Práticas Processuais – Prática Civil, Prática Penal e Pratica Trabalhista pelo Centro Universitário São Camilo-ES (2014-2015). Coordenador do Projeto de Iniciação Científica “O acesso ao Poder Judiciário no Município de Cachoeiro de Itapemirim-ES: uma revisitação ao Projeto “Pelas Mãos de Alice” de Boaventura de Souza Santos e a concreção do princípio constitucional de acesso à justiça”. E-mail: taua_verdan2@hotmail.com
Fonte: Jornal Jurid – 04 de Julho de 2017
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